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Segunda-feira, 30 Dezembro, 2024

Censura, invasão de campo e ato antirracista: Jogadores e torcedores fazem do Catar a Copa dos protestos

Antes mesmo da bola rolar no Catar pela primeira vez e a Copa do Mundo 2022 de fato começar, uma coisa já era certa: essa seria uma edição marcada por manifestações políticas. Quando o apito foi dado e a bola rolou, todas as previsões foram confirmadas. Não veio no jogo de abertura, mas nas partidas seguintes, como no segundo jogo do torneio, entre Inglaterra e Irã.

De um lado, os ingleses se ajoelharam no campo antes da bola rolar para protestar contra o racismo e a favor dos direitos humanos – assuntos que são muito debatidos desde que o Catar foi anunciado como país-sede. Bukayo Saka, jogador inglês que foi um dos destaques na vitória sobre o Irã por 6 a 2, Marcus Rashford e Jadon Sancho foram vítimas de insultos raciais quando o país estava participando da Eurocopa 2020.

O ato dos atletas foi uma manifestação antirracista a crimes como esses. Os protestos contra o racismo também se repetiram na partida contra País de Gales. “Discutimos sobre ajoelhar, e chegamos à conclusão que devemos fazer o que acreditamos como time, e temos feito isso por muito tempo”, disse o técnico Gareth Southgate.

Por parte do Irã, também na partida de abertura, os jogadores deixaram de cantar o hino em um sinal de apoio às manifestações que acontecem no país desde setembro, quando Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos, morreu após ser levada pela polícia da moral por usar o hijab ‘incorretamente’. Desde então, uma onda de protestos foi desencadeada em uma luta pelo direito das mulheres.

Em entrevista após o jogo, o técnico do Irã, Carlos Queiroz, admitiu que os jogadores de sua equipe estão sofrendo com a pressão dos protestos no país. Em declarações depois da partida contra os ingleses, Queiroz afirmou que a situação política afetou o time. “Não é bom vir ao Mundial e pedir a eles que façam coisas que não são sua responsabilidade. Eles querem dar orgulho e alegria ao povo”, afirmou o treinador à imprensa. “Vocês nem imaginam o que esses rapazes estão vivendo a portas fechadas nos últimos dias. Não importa o que eles digam, as pessoas querem matá-los. Você imagina estar em um momento de sua vida em que pode ser assassinado por tudo o que você diz? Com certeza temos sentimentos e crenças e em seu devido tempo, no momento adequado, os expressamos”, concluiu Queiroz.

As manifestações também vieram por parte da torcida, que levou cartazes e bandeira em apoio às manifestações. Mulheres apareciam segurando uma placa com a mensagem “Woman – life – freedom” [Mulher, vida e liberdade, em tradução livre].  No jogo de Irã contra País de Gales, alguns torcedores foram impedidos de entrar no estádio por estarem com camisetas que mostravam apoio aos protestos. Quem conseguiu entrar teve objetos confiscados pela polícia. Um homem com a bandeira “Mulher, vida e liberdade”, uma mulher com lágrimas vermelhas escuras pintadas em seus olhos segurando uma camisa de futebol com “Mahsa Amini – 22” impresso nas costas, uma referência à curda iraniana, e outro torcedor que estava com a bandeira do Irã com um “x” no meio, tiveram as peças recolhidas pelos seguranças do evento.

Além desses gestos, Harry Kane, capitão inglês, iria entrar em campo na partida de abertura com a braçadeira “One Love” para se manifestar a favor dos direitos humanos e LGBTQIA+, mas foi impedido pela Fifa, que ameaçou punição com cartão amarelo. Em carta assinada pelo presidente da Fifa, Gianni Infantino, e pela secretária-geral Fatma Samoura, eles pediram para que o futebol não fosse “arrastado” para o campo de batalha político ou ideológico.

Mas o ultimato da entidade não intimidou os jogadores. Antes da bola rolar, eles usaram uma braçadeira que dizia “No descrimination”.  A “One Love” não deixou de estar presente. O protesto veio por meio da repórter e ex-jogadora da seleção feminina da Inglaterra Alex Scott e da ministra do interior, Nancy Faeser, que usou a peça enquanto assistia ao jogo entre Inglaterra e Estados Unidos, válido pela segunda rodada da fase de grupos.

A Alemanha foi outra seleção que aproveitou o momento para se manifestar. Assim como Kane, Manuel Neuer, capitão alemão, iria utilizar a braçadeira “One Love”, mas, após a Fifa informar que haveria punição, ele optou por não utilizar. Porém, antes da partida contra o Japão, todos os jogadores da Alemanha tamparam a boca, dizendo que foram censurados pela entidade. O ato não foi totalmente bem visto por torcedores no Catar. Eles aproveitaram o jogo contra a Espanha, válido pela segunda rodada, para dar uma resposta aos alemães. Algumas pessoas que estavam no estádio no domingo, 27, levaram imagens de Mesut Özil, jogador alemão que, quando anunciou sua aposentadoria após a eliminação da tetracampeã em 2018, na Copa da Rússia, disse que se sentia perseguido e discriminado pela Federação Alemã de Futebol devido à ascendência turca e por ser favorável à imigração e ao multiculturalismo na sociedade alemã.

O jogo entre Portugal e Uruguai não teve protesto por parte dos jogadores, porém, foi marcado pela primeira invasão a campo da Copa. Um torcedor invadiu o gramado carregando uma bandeira LGBTQIA+ e com a camisa com os dizeres “Respect for Iranian Woman” (Respeito para as mulheres iranianas) e “Save Ukraine” (Salve a Ucrânia). O homem foi retirado pelos seguranças do evento e as imagens do momento da invasão não foram transmitidas pela Fifa. Nos últimos dias, um movimento pró-Palestina se fez presente em alguns jogos e marcou a segunda invasão em campo. Um homem correu pelo campo com uma bandeira da Palestina. Ele também foi detido pelos seguranças. Nas arquibancadas também foram registrados movimentos em apoio ao gesto e pedidos para que a Palestina seja reconhecida como nação. A fase de grupos da Copa do Mundo comprovou algo dito por Nelson Rodrigues há muito tempo: “Pobres são aqueles que imaginavam o futebol limitado aos acontecimentos no gramado”.

Fonte: Jovem Pan

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