O sonho de ter uma família, a alegria de tê-la encontrado, a convivência, novas adaptações, um mundo novo também realizando o desejo de um casal; de ter um filho. Porém, de forma surpreendente, numa reviravolta inesperada, os pretensos adotantes quatro meses após o pedido de conclusão do processo de adoção, decidiram ‘devolver’ a criança, um menino, à instituição onde vivia na cidade de Arapiraca, levando o Ministério Público de Alagoas (MPAL), por meio da 7ª Promotoria de Justiça da Comarca, a ofertar denúncia contra os mesmos, por ação ordinária com obrigação de fazer, pedindo que o casal fosse compelido a pagar, por danos morais, em favor do menor, uma indenização no valor de R$ 10.000,00. O que foi acatado pelo juiz Anderson Santos dos Passos.
Além do desrespeito e dos traumas emocionais desencadeados com a desistência da adoção, o menino, que já tinha se adaptado à escola privada onde estudava desde que foi morar com a família adotiva, teve que deixar a unidade de ensino, visto a matrícula ter sido cancelada, o que evidentemente geraria novos prejuízos.
Assim, também, nos autos, o entendimento do Ministério Público, representado pela promotora de Justiça Viviane Farias, assinante da denúncia, além do pagamento da indenização, o casal deveria manter a criança matriculada na escola particular até o ano letivo. O que também foi decidido pelo magistrado.
“É um caso consternante, pois a criança que finalmente achou ter encontrado uma família, e que não escondia a emoção de ter sido escolhida, que vibrava com a oportunidade de viver em um meio diferente onde pudesse ter acesso e usufruir de coisas boas, entre elas uma educação de qualidade, depois de todos os trâmites, inclusive de depoimentos dos pretensos pais adotivos afirmando que tê-lo como filho era a realização de um sonho, o menino foi rejeitado e lavado de volta à instituição onde era abrigado como se fosse um objeto descartável. Então, o Ministério Público, em respeito a essa criança e em defesa da sua dignidade, ajuizou a ação. Temos convicção de que esse retrocesso deixará marcas negativas na vida dela que, a partir de então, poderá ficar com receio e não acreditar em outras pessoas que aparecerem afirmando que querem adotá-lo”, enfatiza a promotora.
O caso
A criança vivia na instituição e o casal, com pretensão de constituir uma família e se colocar na lista para adoção, visitando o local, teria demonstrado interesse por ela. Diante disso, fora autorizado que o casal, mediante supervisão da Equipe Técnica do abrigo, pudesse visitar o infante, inclusive participar de momentos de lazer com ele nos finais de semana.
Em meados de abril de 2023, após a realização de um estudo social foi comprovado que o casal estaria apto a adoção e sugerido que o processo de adoção fosse concluído em favor dos requeridos. Ainda no mesmo mês, dia 27 de abril de 2023 foi realizada uma audiência, ocasião em que o menor foi ouvido pelo Juízo e externou, perante a equipe do abrigo, o desejo de ser adotado. Em ato contínuo, a guarda provisória do infante foi deferida ao casal.
O casal passou a informar que o menino estava bem adaptado e que a relação entre eles estava sendo muito tranquila e afetuosa. Que a criança estava sendo bem cuidada, recebendo afeto e carinho, que havia sido matriculado em escola particular, sendo assistida em todos seus direitos. O que fora confirmado por estudo social realizado em 14 de agosto de 2023, detalhando que o casal e a criança estavam felizes em família.
“E de forma surpreendente, poucos dias após, o casal mudou de ideia rompendo a relação afetiva, causando aflição e deixando a criança frustrada, pois foi revitimizada sofrendo um segundo abandono, configurando agressão aos direitos básicos da personalidade. A criança, depois de retornar ao abrigo, fugiu com a esperança de que pudessem se sensibilizar e aceitá-lo de volta, mas não logrou êxito, e isso é inaceitável. Pois estamos tratando de um ser humano que, apesar de ainda em formação, já provou o peso da vulnerabilidade”, ressalta a promotora Viviane Farias.
“E, como já reiterado, ainda que inexista vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança, é imperioso a configuração da responsabilidade civil como uma responsabilidade extracontratual subjetiva direta, sendo um vínculo obrigacional em decorrência de ato ilícito, pois a devolução pode causar danos irreparáveis a criança ou adolescente por constituir um novo abandono, enquadrando-se na previsão de ato ilícito do artigo 186 do Código Civil”, preconiza ação.