O papa Francisco, que morreu nesta segunda-feira (21) aos 88 anos, destacou-se por colocar a dignidade humana dos excluídos no centro de seu discurso e por sua vontade reformista, embora não tenha revisado os dogmas mais tradicionais da Igreja Católica. O primeiro papa latino-americano da história, eleito em 13 de março de 2013, também foi o primeiro pontífice jesuíta e o primeiro não europeu em mais de 10 séculos.
Popular entre os fiéis do mundo todo, mas enfrentando forte oposição interna, o ex-arcebispo de Buenos Aires se posicionou como um crítico do neoliberalismo. O jesuíta argentino, fã de futebol e tango, e muito mais à vontade em público do que seu tímido antecessor Bento XVI, destacou-se pela espontaneidade e temperamento enérgico, mas também por um estilo de governo às vezes considerado muito pessoal.
“Sou uma pessoa impaciente (…) Às vezes tomo decisões rapidamente, com uma certa autossuficiência”, confessou em um livro de diálogos com pessoas em situação precária do mundo todo, publicado em 2022. Jorge Mario Bergoglio foi o primeiro pontífice a escolher o nome Francisco, o santo dos pobres, cujos ensinamentos inspiraram seu pontificado.
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Este “sonhador”, que até admitiu “às vezes adormecer durante a oração”, perseguiu incansavelmente seu principal objetivo: reformar a Igreja Católica para que ficasse mais próxima dos desfavorecidos e marginalizados. “Como eu gostaria de uma igreja pobre para os pobres”, afirmou três dias após sua eleição.
O pontífice, marcado pela crise econômica argentina de 2001, também foi muito crítico ao neoliberalismo e se concentrou na justiça social, na ecologia e na defesa dos migrantes que fogem da guerra e da miséria econômica. “O papa envolveu a Igreja em questões que eram foco das democracias ocidentais, como meio ambiente, educação e direito”, observa Roberto Regoli, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana.
Direto e simples
Francisco também ficou conhecido como o “papa imprevisível”, um líder humilde que pagava suas próprias contas de hotel, carregava a própria pasta e fazia seus próprios telefonemas, alguns para viúvas solitárias, vítimas de estupro ou prisioneiros. Ele se vestia de forma simples, ao contrário de seus antecessores. O apartamento papal no Palácio Apostólico e as suntuosas residências de verão fora de Roma, em Castel Gandolfo, permaneceram sem uso durante seu pontificado.
Ele sempre demonstrou grande proximidade com os fiéis. Mesmo durante a pandemia do coronavírus, ele nunca parou de apertar a mão de seus seguidores.
Durante sua primeira Semana Santa no Vaticano, ele visitou uma prisão romana onde lavou e beijou os pés dos detento. Foi o primeiro de uma série de grandes gestos simbólicos que ajudaram a dar a Francisco um perfil positivo e distinto do tradicionalista Bento XVI.
Em 2014, em seu discurso anual aos principais cardeais da Cúria, o governo do Vaticano, o papa argentino causou comoção ao listar 15 “doenças” sofridas pelos prelados, incluindo “Alzheimer espiritual” e “fossilização mental”.
Homossexualidade e aborto
Seus detratores conservadores chegaram a acusá-lo de “heresia” por sua abertura à comunhão de fiéis divorciados e que casaram novamente. Suas palavras sobre a homossexualidade, um assunto tabu para a Igreja, também foram consideradas muito tolerantes.
“Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, afirmou em sua primeira entrevista coletiva após ser eleito. Mas, apesar de ser visto como um progressista em questões sociais, ele não se desviou dos fundamentos da doutrina tradicional.
Embora em uma atitude sem precedentes, o Vaticano tenha autorizado a bênção de casais do mesmo sexo em dezembro de 2023, desde que ocorresse fora dos ritos litúrgicos, Francisco sustentou que eles não podem receber o sacramento do matrimônio. E sua Igreja seguiu condenando as relações homossexuais, que considera um “pecado”.
O papa argentino também expressou regularmente seu horror ao aborto, comparando a prática a recorrer a “um assassino de aluguel”, e reiterou que a família é composta por um pai e uma mãe. E, apesar de nomear várias mulheres para cargos importantes dentro do Vaticano, ele decepcionou aqueles que desejava uma postura mais radical.
Vida na Argentina
Nascido em 17 de dezembro de 1936, em uma família modesta e numerosa do bairro operário de Flores, em Buenos Aires, filho de um ferroviário de origem piemontesa e de uma dona de casa, Francisco se formou técnico em química. Ele tinha 17 anos e estava apaixonado por uma garota quando um dia descobriu sua vocação em um confessionário. Aos 22 anos, ingressou na Companhia de Jesus, onde se formou em Filosofia.
Em 1969 foi ordenado sacerdote e, aos 36 anos, em 1973, foi nomeado líder nacional dos jesuítas argentinos, cargo que ocupou por seis anos. Em maio de 1992, João Paulo II o nomeou bispo auxiliar de Buenos Aires, o que iniciou sa carreira na Santa Sé e o levou a assumir o comando da Igreja Católica quando era praticamente desconhecido fora da Argentina.
Sua nomeação como papa reacendeu a controvérsia a respeito de suas ações durante a ditadura em seu país, de 1976 a 1983, quando foi criticado por não ter feito o suficiente para se opor ao regime militar. As acusações foram negadas pelo Vaticano durante todo o seu pontificado e até mesmo por alguns parentes dos “desaparecidos”.
Luta climática
Os últimos anos do papado de Francisco, que aos 21 anos sofreu uma doença pulmonar grave foram marcados por repetidos problemas de saúde. Em 14 de fevereiro de 2025, ele foi internado no Hospital Gemelli, em Roma, afetado por uma bronquite que causava graves dificuldades respiratórias. Ele foi diagnosticado com pneumonia nos dois pulmões, o que exigiu tratamento médico intensivo e gerou preocupações sobre sua condição. Ele recebeu alta em 23 de março.
Antes, em 2021, ele passou por uma cirurgia de cólon e, em junho de 2023, passou por uma nova cirurgia de uma hérnia abdominal. As dores crônicas no joelho e no quadril também o obrigaram a usar uma cadeira de rodas. Os problemas de saúde o impediram de comparecer à conferência climática COP28 da ONU em Dubai em 2023, apesar de seu compromisso com a proteção do meio ambiente, um dos pilares de seu pontificado.
‘Francisco dedicou sua encíclica ‘Laudato Si’ de 2015 à questão climática, um manifesto de 200 páginas por uma “ecologia integral” no qual ele recorreu à ciência para abordar as mudanças climáticas, algo sem precedentes para um líder religioso. Em 2020, ele escreveu uma exortação em defesa da Amazônia após consultar os líderes religiosos e indígenas do vasto território da América do Sul em um encontro no Vaticano, que o levou a apresentar o que chamou de “pecado ecológico”.
Em outubro de 2023, ele publicou outra exortação apostólica, ‘Laudate Deum’, na qual enfatizou que o mundo “está entrando em colapso e pode estar perto do ponto de ruptura” e pediu às grandes potências que abandonassem os combustíveis fósseis.
O pontífice também se posicionou como um veemente opositor dos conflitos bélicos, condenando com firmeza tanto os fabricantes de armas como a indiferença da sociedade.
Ele revitalizou a diplomacia do Vaticano ao assinar um acordo histórico com a China para a nomeação de bispos, facilitou o degelo entre Estados Unidos e Cuba durante a presidência de Barack Obama e apoiou o processo de paz na Colômbia.
*Com informações da AFP
Publicado por Carolina Ferreira
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Fonte: Jovem Pan